O futebol é um esporte extremamente coletivo. Esse é seu alicerce indubitável. São 11 jogadores que começam a partida, mais outros 5 que podem entrar durante o jogo, mas não para por aí. Todos atletas envolvidos na rotina de treinamento, são determinantes para os resultados daqueles que atuam, de fato. Vai além, muitos bons times, sem um grande treinador, fracassaram. Com o técnico, seus auxiliares, preparadores físicos e analistas de desempenho. Ainda, atletas que se lesionam e desfalcam o time no momento mais importante da temporada, que falta faz um bom médico, fisioterapeuta, massagista, nutricionista. Não se esquecendo das sabotagens mentais, a discussão dos psicólogos da bola esteve em pauta recentemente. Mas a história não mente, sob outro aspecto também. Tudo isso, toda essa galera vai estourar no pico dessa pirâmide decisiva. Os craques. No fim, quase sempre é sobre eles. Venho falando no plural, pois andorinha só não faz verão. Mas duas, com toda certeza. Assim, olhando para as duplas lendárias do passado, enxergamos um futuro com uma dupla que surge. Forças da natureza absolutamente opostas, mas que se complementam harmoniosamente.
Em primeira análise, é necessário que se absorva o antigo conhecimento taoista, que assim como o sorvete, vem da China. Sob o viés de tal filosofia, o mundo é regido por forças opostas que se complementam. São energias diferentes, em sua essência, que de forma objetiva são uma escuridão, outra luz. Chama-se Yin Yang. Vocês já devem ter visto aquela figura, metade preta, metade branca. É isso, lua e o sol, o espírito e a matéria, fogo e água, assim vai. Já diria Zeca Pagodinho: “como o vampiro e o morcego, é o homem e a mulher”. Assim, cada uma das forças manifesta dentro de si o seu oposto. Desse jeito, são as grandes duplas, em todos os âmbitos. Apesar de dizerem que relacionamento é sobre reciprocidade, na verdade, é muito mais sobre ir aonde o outro não consegue. Pelé teve o atleticismo e o profissionalismo que permitiram que ele fosse o craque da Copa de 70. Mas quando ele se machucou, bem no início de 62, a genialidade de Garrincha levou o Brasil ao título. Um foi ao lugar que o outro não conseguiu. Uma dupla que surgiu na Copa de 58.
Mas que se predestinou a surgir bem antes, no preto e branco, como Yin Yang, como Santos e Botafogo. Santos, que foi derrotado por outra grande dupla, desconcertado por Dirceu Lopes, sob artilharia de Tostão. Um príncipe e um novo rei era o que o Cruzeiro precisava. Avançamos no tempo, passamos por Muller e Careca, o fã e o ídolo, os 65 gols de Paulo Nunes e Jardel, o jeito e a força, isso só para começar. Do meio para frente, é fácil lembrar. Mas como não mencionar o “zagueiro-zagueiro” Odvan, ao lado da elegância de Mauro Galvão. Cada time tem sua dupla, zeramos o Rio com Donizete e Túlio, Casal 20 e a dupla mais moderna, mas não menos assombrosa, a fusão de Bruno Henrique e Gabigol.
Por São Paulo, além das citadas, Ademir da Guia e Dudu, além de uma que ultrapassou as 4 linhas, Casagrande e Sócrates. Sem esquecer de Robgol e Iarley, no Papão. Uma pena
que a grande dupla de ataque da Copa de 94 não se fala mais, mas até isso faz parte da mística. Diferentes fora de campo, complementares quando a bola rolava.
Contudo, é hora de olhar para o futuro, ou melhor, ver no presente quem poderá nos dar um futuro. A dupla da vez não poderia ser outra. Endrick e John Kennedy vêm, de mãos dadas, carregando o Brasil no Pré-Olímpico que acontece na Venezuela e dará duas vagas nas Olimpíadas de Paris. A molecada, comandada por Ramon Menezes, não tem performado da melhor forma. No entanto, sendo justo, houve uma relevante evolução do primeiro para o segundo jogo. O fato central, porém, diz respeito à parte positiva desses jogos. Afinal, o Brasil está com 100% de aproveitamento e, caso vença hoje o Equador, assume a liderança, abrindo no mínimo 4 pontos de vantagem para quem está fora da zona de classificação do grupo. Tudo isso passa por uma dupla. Todos os gols do Brasil são ou de Endrick, ou de Kennedy. Mais que isso, só um não envolveu os dois. O primeiro, passe do tricolor e gol do palestrino. No jogo seguinte, chute de JK, gol de Endrick. O terceiro, gol do urso, em boa jogada de Gabriel Pec. Desse modo, eles vêm se complementando. Yin é ídolo no Rio, Yang é em São Paulo. Yin decidiu a América, Yang decidiu o nacional. Yin foi dúvida, emprestado, desacreditado, caluniado. Yang sempre foi a joia da academia, o prometido à coroa madridista, ainda menor de idade, sob valores estupefatos. Yin gosta da festa, Yang não quer nem ver. Yin é bagunceiro, tumultua e chama a bronca. Yang faz o dele de cabeça baixa, fala baixinho, olha de lado.
Em suma, a filosofia chinesa diz: “Yin é a amorosidade, a criatividade, a intuição. Yang é a racionalidade, a objetividade, a técnica”. Os dois coexistem e desse equilíbrio vem a perfeição. As grandes duplas sempre precisaram existir, para que o futebol separasse os derrotados dos vitoriosos. Todas carregavam um tom de equilíbrio entre os desiguais. Seja em maiores ou menores aspectos. Mas nessa dupla, a qual eu coloco minhas fichas, John Kennedy e Endrick, é o óbvio atrair dos opostos, que têm em comum o talento, manifestado em caminhos tão divergentes e de formas ainda mais. Vamos aproveitar esse Pré-Olímpico e quem sabe as Olimpíadas, caso ocorra a liberação de ambos. Mas confesso estar esperando coisas ainda maiores do nosso amuleto secreto, perfeitamente equilibrado. John Kennedy e Endrick. Yin yang.
Guilherme Presunto | @guilhermepresunto_