Desde 2019, em que houve aquele efeito furacão “JJ” no futebol brasileiro que eu, de vez em quando, tento fazer um exercício de memória e lembrar-me do que chegava de futebol a Portugal diretamente das Américas quando era mais novo.
Certamente quem viveu na era pré-internet lembra-se que o mundo nem imaginava o que viria a seguir. Nem imaginava o quanto era possível eliminar barreiras geográficas com um simples “clique”. Mas ao contrário de grande parte dos países europeus, possivelmente pensando na proteção da sua cultura, Portugal, no pós-Revolução do 25 abril, abriu-se bastante e sempre abraçou o que chegava de fora. E deixava as coisas tal como eram: os filmes estrangeiros na sua língua original, as sitcoms britânicas com o sotaque típico inglês, as telenovelas brasileiras no português do Brasil… Não havia dublagens, nem adaptações. Na música, bandas estrangeiras como os Queen, The Police, Bee Gees, The Bangles, Dire Straight, Duran Duran, Genesis eram apenas algumas que eram escutadas e veneradas pelos jovens portugueses nas décadas 70 e 80.
No que toca ao futebol, parte fundamental da nossa cultura, lembro-me que havia clubes sul-americanos na minha juventude, na década 80/90, que faziam parte importante do imaginário do fã de futebol português. E falo imaginário porque se ouvia falar, lia-se nos jornais, mas raramente tínhamos oportunidade de ver… Não era como o Real Madrid, Barcelona, AC Milan, Inter, Manchester United, Newcastle, Leeds… Esses estavam próximos e víamos jogos das ligas europeias com frequência. Mas longe, bem longe, estavam os sul-americanos e se a memória não me falha, os mais importantes nesse imaginário eram o Santos do Pelé, o Vasco da Gama do Roberto Dinamite e do Romário, o Flamengo de Zico, o River Plate de Di Stefano mas creio que não havia outra equipa que fizesse mais vibrar o imaginário português nos anos 80/90 do que o Boca Juniors do Maradona e a sua famosa Bombonera.
O tempo passou e as barreiras são apenas geográficas e menos expressivas. Rapidamente estamos noutro lugar do mundo de forma económica. Rapidamente temos acesso ao jogo de futebol que queremos assistir, seja por canal privado, seja pela internet.
E no passado sábado, numa final de jogo único, sem o “fogo” do inferno que é a Bombonera, o Boca Juniors tinha a oportunidade de igualar o número de títulos do Independiente na Copa dos Liberdadores quando enfrentou o Fluminense no Estádio Maracanã. Era a sua 12ª final da história e mesmo sendo um grande clube mundial que ainda vende muitas camisolas em Portugal, a verdade é que senti pelas redes sociais que nós, portugueses, estávamos a torcer pela vitória do Fluminense, clube que grande parte dos portugueses só começou a prestar mais atenção depois do Benfica contratar-lhe o “Maradoninha” Roger Flores, e o clube do Rio de Janeiro ter ido buscar o “Baixinho” logo em seguida.
Conto este pormenor para dizer que a identificação com o Boca Juniors vem desde os anos 80 e a relação de grande parte dos portugueses com Fluminense é mais recente.
Mas a verdade é que as relações do Fluminense com os portugueses não nasceram na transição do século XX para o XXI: são mais antigas, principalmente com o clube mais famoso da cidade onde cresci e vivi até aos 25 anos. No início de 1951, dirigentes do Fluminense que estavam em passagem por Portugal visitaram o Estrela da Amadora e ficaram maravilhados com as gentes do clube da Amadora e a forma calorosa com que foram recebidos. Por isso, ao regressarem ao Rio de Janeiro, enviaram uniformes completos do Fluminense para a sede do Estrela da Amadora e a partir daquele momento, a direção do clube português adotou o padrão tricolor do Fluminense que mantem até hoje.
Certamente as gentes da Amadora, por identificação com o tricolor, torceram pelo Fluminense. Só que a Amadora é apenas a 4ª maior cidade portuguesa e ocupa apenas 0,03% do território português… e eu garanto que o apoio ao Fluminense manifestou-se por todo o país.
Não podia ser de outra maneira! Nós, Brasil e Portugal, estamos ligados desde 1500, somos sem dúvidas países “irmãos” e temos que torcer pelos “nossos”!
PS: Durante uma live no outro dia, n’Os Cancelados, eu questionei o facto de os torcedores dos Vasco, Flamengo e Botafogo quererem a vitória do Boca Juniors. Falaram-me que é por serem rivais da mesma cidade e houve até alguém no chat que me questionou se eu apoiaria o Porto numa final de Champions. Ainda bem que já vi o Porto numa final de Champions e posso responder abertamente que sim. Já torci pela vitória do Porto numa Champions e ganhou, com um Deco e um Carlos Alberto a jogarem muito à bola! Só não apoiaria o Porto se a final fosse contra o meu time!!
Rafa Boban | @rafa.boban