O esplendoroso Estádio da Luz recebeu no passado sábado a edição 254 do clássico mais apaixonante do futebol português: Benfica x Porto com a vitória da equipa da casa.
Com um histórico global mais favorável ao FC Porto (101 vitórias contra 91 do Benfica), o SL Benfica como mandante no chamado Inferno da Luz, tem números melhor. No sábado, os “encarnados” aumentaram a percentagem de vitórias em casa para 54,5% num jogo que voltei a deparar-me com este pensamento: Seremos capazes de ser imparciais?
Sou o segundo de dois filhos de uma família benfiquista e fui tornado sócio pelo meu avô ainda antes de saber o que era o Benfica ou o que era futebol. No entanto, eu muito jovem gostava de azul por isso torcia pelo Belenenses e Porto, tudo o que fosse azul. Depois pelos 4/5 anos passei a torcer pelo Sporting porque o namorado da minha prima era “doente” pelo Sporting e oferecia-me coisas do Sporting. O Sporting tinha o Figo, o Balakov, o Iordanov, o Paulo Sousa, Cadete, enfim… A minha primeira memória de ver um jogo de futebol foi precisamente o dérbi dos derbies portugueses: Sporting x Benfica num jogo que o Sporting, com uma equipa fantástica, foi goleado em casa por 3X6… Foi uma experiência traumática: o quanto os meus pais e o meu irmão festejaram cada golo do Benfica “zoando-me” e falando mal do Sporting e eu quase enchi uma piscina com tantas lágrimas de choro e raiva… Não sei se estavam a brincar mas eu levei tudo a peito e fiquei mesmo mal, tinha apenas 6 anos. Depois a 17 de maio de 1998, fui ver um jogo do Benfica com a minha vizinha ao antigo Estádio da Luz e comecei a converter-me durante a vitória do Benfica por 7-1 contra o Leça da Palmeira. O clube de qual era sócio passaria a ser finalmente o meu clube de coração.
Tudo isto para entenderem que tornei-me benfiquista por minha opção. Não por nascimento, não por imposição. Passei a identificar-me e a sentir aquela famosa “mística benfiquista”, que é feita de simplicidade mas também de ambição de grandeza, sob o lema unificador “E pluribus unum” (de todos, um).
Aos 15 anos fui convidado para integrar a equipa de atletismo do Benfica e fui às nuvens. Durante 6 anos, defendi as cores do Benfica como ninguém e vejo claramente que se aproveitaram da minha paixão pelo clube. Competi lesionado, competi doente, prejudiquei a minha progressão tudo em prol do coletivo, para ganharmos títulos coletivos… Os anos passaram e comecei a ser mais racional, a entender que não faz sentido muita coisa. E o que não faz mesmo sentido nenhum é o Fanatismo!
Toda a gente sabe que o fanatismo, seja em qualquer vertente da realidade, tem desdobramentos muito devastadores. Na religião, na política, na ciência, no futebol…
Winston Churchill escreveu que “um fanático é uma pessoa que nunca muda de opinião nem deixa mudar de assunto” e no fenómeno futebolístico o assunto, semana após semana, é o quanto “somos prejudicados”, “estão todos contra nós” “sempre a beneficiaram os outros”. E eu até entendo: treinadores e jogadores culpam sempre algo externo para se aproveitarem do fanatismo do torcedor e escaparem das críticas. Ma esse discurso que serve a dirigentes, treinadores e jogadores só faz crescer o ódio, aumentar a violência…
Basta ir à história e ver como Hitler conseguiu subir ao poder. No pós I Grande Guerra Mundial, a Alemanha, responsabilizada pela guerra, perdeu um décimo do seu território, teve de desmantelar o seu exército e pagar indemnizações pesadas aos vencedores da Guerra, enfraquecendo a economia. No meio de fanatismo, obsessão, delírios ou apenas de estratégia para chegar ao poder, Hitler arranjou um bode expiatório e começou a culpar os judeus (bem sucedidos nos negócios) pela humilhação alemã na Guerra, e deu força à ideia de que o comunismo e o capitalismo eram conspirações internacionais de judeus para destruir a Alemanha. Rapidamente o antissemitismo espalhou-se sob acusações falsas e começou um dos períodos mais negros da história da humanidade.
Com acusações falsas ou não, o método acaba por ser sempre o mesmo. Frases como“Estão todos contra nós”, “a culpa é do…”, “querem destruir-nos” dá um “boost” enorme à união perante uma causa, ao nacionalismo, à xenofobia, ao ódio, ao fanatismo!
E fanatismo é o que se vê no futebol todos os dias infelizmente.
E num Super Clássico como o Benfica x Porto esse fanatismo expressa-se de forma mais notória e até fiz um vídeo “crítico” com essa realidade. Representei o papel de “portista” e de “benfiquista” para os mesmos dois lances mais polémicos do jogo e é uma representação clara da cegueira e do ódio que o fanatismo provoca.
Como é que três pessoas (um benfiquista, um portista e um “imparcial”) olhando para o mesmo vídeo, para as mesmas imagens, conseguem ver coisas opostas?
Eu estava a ver o jogo com benfiquistas fervorosos e, não sendo fanático, acho que consigo estar mais perto da realidade. E enerva-me mesmo esse fanatismo. Às vezes lanço “ah, não foi nada… olha lá bem, não houve qualquer toque” quando insistem que aquilo foi um toque gravíssimo! Às vezes é cómico, mas às vezes é enervante!
E foi muito enervante ver o treinador do Porto e o jogador expulso a verem as imagens da sua expulsão (que foi considerada justa por todos os nossos ex-árbitros internacionais) no banco e a expressarem que não houve nada! Que não houve contacto! Com cara de incrédulos e de que estavam a ser roubados… Ora, o Fábio Cardoso fez um carrinho e realmente toca primeiro na bola que ressalta no pé do David Neres e segue na direção do gol, com o Neres a poder ficar isolado na cara do gol. Isso acaba por não acontecer porque Fábio Cardoso, com Neres a passar em velocidade, levantou a perna direita de forma muito notória, impedindo Neres de ficar numa posição clara de gol.
Nenhum dos ângulos dá qualquer chance a dúvida destes factos. Como não há dúvida nas imagens de que aos 34 minutos, antes de David Carmo tocar na bola, ele atingiu com o joelho a parte de trás da perna do Rafa que ia também ficar isolado mas descaído para a direita, com possibilidade de dobra pelo Zé Pedro. Foi um lance justo de cartão amarelo… e para além da imparcialidade dos factos, tivemos os dois: Os portistas que não conseguem ver qualquer toque no Rafa, só conseguem ver o toque na bola. Os benfiquistas que dizem que o David Carmos não tocou na bola, só se preocupou em derrubar o Rafa que ia seguir, pelo que foi vergonhoso não ter havido cartão vermelho.
Houve mais lances não tão decisivos neste clássico mas capazes de mover estas opiniões totalmente opostas.
Qualquer jogador adversário que caia no chão é sempre porque mergulhou. Qualquer cartão ao jogador do nosso time é sempre porque o árbitro está comprado para beneficiar outro time.
Enfim… Houve um tempo em que eu acreditava que todos conseguiam ver os factos tal e qual como eram mas mentiam por defesa e amor ao seu time. Mas agora acredito que as pessoas acham mesmo que é verdade aquilo que veem e é totalmente distorcido pelo fanatismo.
Voltando à pergunta inicial, seremos capaz de ser imparciais?
Depois do último Benfica x Porto eu reforcei a minha ideia com base na minha postura.
Sim, somos capazes de ser imparciais se não formos fanáticos.
Rafa Boban | @revista.lebre