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O que o carioca tem?

Na última quarta-feira (17), o Flamengo fez sua estreia no Campeonato Carioca e, naturalmente, na temporada de 2024. Uma goleada por 4×0 foi o resultado do jogo, que se realizou na Arena da Amazônia, em Manaus. Após a partida, o time foi para os Estados Unidos, onde realiza uma espécie de pré-temporada e ontem venceu um duelo marcado pelos primeiros minutos de De La Cruz, com o manto rubro-negro. Minutos depois do fim do confronto, os garotos disputaram a segunda rodada do Cariocão. Contudo, nada dessa movimentada semana, que ainda contou com a jornada épica da Copinha, recebeu tantos holofotes da mídia, como um todo, que a primeira coletiva de Tite. Nela, um trecho em específico chamou a atenção e levantou discussões em mesas de debate. O clímax se deu quando o treinador colocou o Carioca, como o mais difícil campeonato estadual do futebol brasileiro. Boa parte dos formadores de opinião discordou de imediato. Para isso, utilizou-se do critério das divisões nacionais, que sinceramente, de fato, é o mais relevante. Nesse quesito, os times do Rio de Janeiro estão bem atrás dos paulistas e não há discussão. Mas o que pode ter pensado Tite? Afinal, o que o Carioca tem?

Em primeiro lugar, é preciso entender que, em algum momento, essa afirmação de Tite não só fazia muito sentido, como ainda era mais intensa. Tudo começou em 1906, quando a edição inaugural do Campeonato Carioca ocorreu. Com aquele título do Fluminense, a história do futebol brasileiro começava a ganhar traços mais definitivos. 2 anos depois, o Barra Mansa se tornava o pioneiro na profissionalização do esporte bretão nas terras tupiniquins. Apenas na década seguinte, times como Santos, Palmeiras e Corinthians começaram a se estruturar para nascer. O São Paulo, quando surgiu, Vasco e Fluminense já tinham casa própria inclusive. Porém, não é apenas uma questão cronológica que envolve essa situação, mas até geográfica. O Rio era a Capital do Brasil. Ou seja, o centro do país. O que afetou, de forma direta, o desenvolvimento das transmissões de futebol no rádio. Com isso, o futebol carioca se popularizou em todo o Brasil. Efeitos que colhemos até hoje. O tempo passou, os estaduais se estabeleceram e, a grande realidade é que eles ditaram o ritmo do futebol brasileiro por muito tempo. Nesse período, os times poupavam seus atletas na Libertadores, para que eles jogassem em melhores condições o estadual. No período não existia campeonato brasileiro, também (aqui abro um parêntese, pois o presidente Ricardo Teixeira assinou a unificação dos torneios, como campeonato. Porém, o texto é uma visão da época. A exemplo, se você procurar pôster, narração, revista, álbum de figurinhas, tudo vai te contar a história do primeiro título do Palmeiras em 1972). Portanto, até 1971 os grandes torneios, aqueles que botaram dinheiro nos clubes, foram os estaduais e, o principal deles, era o Carioca.

No entanto, essa é uma realidade que não existe mais. A partir de uma estruturação da FPF, o futebol paulista dominou, não só o cenário dos títulos, mas também os pilares do esporte no Brasil. O Corinthians ganhou todos os seus títulos de maior expressão a partir de 1990, por exemplo. O São Paulo até 1991 possuía dois títulos, o Palmeiras até 1993. Dessa forma, até a década de 90 começar, a capital fluminense tinha 7 brasileiros, 1 mundial e 1

libertadores. A Capital gaúcha já tinha 1 Libertadores e 4 brasileiros, além do mundial. A cidade paulistana tinha apenas 4 brasileiros, do verdão e do tricolor. Tudo isso mudou. Os três grandes estabeleceram uma hegemonia no cenário nacional nos anos 90. Enquanto faziam isso, a partir de uma injeção financeira, que o resto do país não acompanhava, os cartolas cariocas perdiam força na CBF, na mesma proporção que os políticos paulistas ganharam. Como resultado, nesses últimos 30 anos de futebol brasileiro, São Paulo tomou as rédeas das competições.

Apesar disso, hoje, depois de muito tempo, em um duelo objetivo dos 4 grandes do Rio contra os 4 grandes de São Paulo, para algumas pessoas, os Cariocas podem prevalecer. Ou minimamente, essa balança encontra um equilíbrio. Tudo isso, em um século muito ruim para os times do Rio de Janeiro. Sob esse raciocínio, deve pensar o Tite ao colocar tal frase. As SAFS colocaram Vasco e Botafogo, após um longo período inerte, como forças no mercado e, querendo ou não, o 2023 foi um ano, pensando a longo prazo, interessante para ambos. O Fluminense acaba de viver seu grande ano na história. Além disso, é comandado por uma gestão fantástica. O Flamengo, por outro lado, teve um 2023 péssimo, mas segue sendo a grande potência econômica da América do Sul. Do outro lado, o Palmeiras, com Abel, segue sendo o melhor time do Brasil. O Santos está na segunda divisão, o Corinthians é uma incógnita e o São Paulo, que superou as expectativas com Dorival, não tem mais o Dorival. Talvez seja por aí o pensamento do Tite, não só pela proximidade entre os 4, mas também por outro aspecto, a distância de um para os outros. Se no Rio os 4 estão em enfrentamento parelho, em São Paulo, o Palmeiras é muito favorito.

Entretanto, finalizo com o motivo da minha discordância com a frase do Tite. Por uma questão econômica, o futebol interiorano de São Paulo está muito à frente do carioca. Isso se dá pelo caráter industrial das cidades paulistas, contra o turístico das cariocas. Os pequenos times encontram fundos privados para que assim estabeleçam projetos esportivos. Como resultados, são 7 times paulistas na segunda divisão. Não há nenhum carioca. Dessa forma, há um desequilíbrio no nível de enfrentamento da competição na totalidade. Por isso, o Paulistão é mais difícil. Para ser campeão, pode ser que não, já que no fim das contas um dos grandes quase sempre vai vencer, mas para chegar lá com certeza. O Santos não ficaria de fora da Copa do Brasil se disputasse uma vaga carioca. Por outro lado, o Palmeiras não teria tanta facilidade de vencer os últimos estaduais, se fosse carioca. Há argumentos para um lado e para o outro. O Carioca tem os jogos mais divertidos de se ver, isso é unânime. Torcida dividida. Equilíbrio entre os 4 grandes. Samba e, claro, charme. Mas o Paulistão tem organização, estrutura, premiação e competitividade durante todo o torneio. Curiosamente, os elementos de um lado e do outro são os fatores notáveis que construíram a história dos estados no futebol. A magia contra a organização. Isso não é só sobre futebol.

Guilherme Presunto

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