Ontem (28) ocorreu a final da Copa Sul-Americana de 2023. O Fortaleza foi derrotado na disputa de pênaltis, para o, sempre algoz brasileiro, time da LDU. Contudo, essa análise não se trata de uma reflexão em torno do confronto. Mas algo maior. O cerne do futebol de nosso continente, que parece definhar em prol de interesses. Nem diria que de forças ocultas. Talvez tentativas, de fato, dignas de progresso. A partir de um espelho eurocêntrico. Não seria novidade para nós, afinal. Quando, em 2019, estabeleceu-se a primeira final em jogo único, existiam intenções claras. Até certo ponto, tais objetivos podem estar sendo cumpridos. Mas é hora de entender qual meta é mais relevante. E, ainda, o que de nosso é melhor ou pior, do que aquilo que vem do velho continente? Provável que nem seja essa a colocação mais apropriada. É o tal do “apenas diferente”. Se no ocidente o preto é a cor de luto e, em boa parte do oriente, é o branco, quem está errado? Ninguém. Cada cultura lida da sua forma. E tentar a adequação a todo custo não é o caminho mais adequado. A taça da Libertadores não tem orelhas.
Em primeiro lugar, quando Alejandro Domínguez, presidente da CONMEBOL, decidiu pela centralização das finais dos torneios continentais, para um só evento, tomou tal medida, baseado em expectativas. Entre essas, o aumento da renda, de modo que se permitisse um reinvestimento no desenvolvimento esportivo. Desse modo, identifica-se que a final única é uma oportunidade para a América do Sul evoluir em questões de infraestrutura, organização de grandes eventos e controle de segurança nesses. Por fim, realizar a promoção da competição, em busca de obter visibilidade mundial e, naturalmente, negociar os direitos de transmissão do torneio, por valores mais altos. E, é claro, há as questões do local.
Identificar a final com a cultura de um país. De uma cidade, de forma específica. Planejar o local da final com antecedência, para que se programem antecipadamente. As boas intenções são muito claras. A inspiração também. Desde as regras, o que a UEFA faz, anotamos e alguns anos depois fazemos igual. Assim vem sendo. Certamente, daí vem as origens para o jogo único. Para o campo neutro. Poderíamos acompanhá-los em outros quesitos também. Mas não interessa. E, nem vem ao caso. Uma problematização de cada vez.
Outrossim, não há qualquer dúvida que o modelo da maior competição de clubes do mundo é um sucesso. Entrar em uma discussão, em prol de se refutar tal afirmação, configuraria perda de tempo. E, principalmente, seria em vão. Mas não é esse o caminho. A verdade é que “caminho” é um dos problemas dessa empreitada. A grande questão para o não funcionamento “cá”, tal como “colá”, é de natureza geográfica e social. Por exemplo, levando a final da última UCL como referência. Abri, sem pesquisar muito, um valor de passagem, para o dia seguinte(do momento em que escrevo). De Milão para Istambul:R$42. De Manchester:R$530. Bom frisar que a Turquia é uma das mais afastadas praças esportivas europeias. Agora, com a Libertadores da última temporada. Do Rio para Guayaquil: R$2448. De Curitiba: R$2404. Lembro que são valores em baixa. A cidade do Equador, por não ter uma grande estrutura, viveu hiperinflação para tudo. Na época, o pacote com transporte aéreo, hospedagem, translado e ingresso estava custando 3.695 dólares, R$20,7 mil, segundo a cotação de outubro de 2022. E, além disso, é justo que se
compare os salários mínimos em cada país. Na Inglaterra, R$10.020,87. Na Itália, R$8.120,14. No Brasil, R$1.320. E ao finalizar a ilustração, chegamos à quilometragem. A distância da matriz dos clubes para a sede da final. Para tal, comparamos a Sul-Americana e a Europa League. De Quito a Punta del Este são 6.029,9 km. A partir de Fortaleza, 4.922,1 km. Agora, de Sevilla a Budapeste, 2.909,5 km. Saindo de Roma, 1.215,6 km.
Portanto, a logística nunca será a mesma. E, por conseguinte, o custo também não. A Europa possui 10.180.000 km² de extensão. Só o Brasil tem 8.525.989 km².
Como resultado, temos visto estádios vazios para os dias mais importantes do esporte sulamericano no ano. Na referida venda da competição, não fica tão bonito na TV, ver cadeiras vazias. E tampouco é positivo para os clubes que não possuem a bilheteria de um jogo como mandante, mas ficam com 25% dos ingressos vendidos. Sobre as entradas, caríssimas. Mas nem entro nesse mérito, pois se fosse a final em dois jogos, nossos mandatários não fariam a menor questão de democratizar o acesso. A final da Copa do Brasil legitima o apontamento. O grande fator desequilibrante são realmente as passagens. A hospedagem é um algo a mais. Dependendo da cidade, é possível se acomodar, sem que a rede hoteleira fique superfaturada. Não foi o caso da última edição da Libertadores. E enfim, a festa. A alegria do povo. Quem respirou a luta rumo a final fica ilhado do dia mais importante. Do ponto de encerramento da jornada construída. Imagine a festa que o Castelão teria feito para o Fortaleza. E o quão incrível seria a semana desse nordeste que vê o futebol correr em suas veias. O outro jogo na altitude. Mas quantos equatorianos mais viveriam a grande emoção desse grande título. Se assistimos às lágrimas de emoção.
Quantas mais veríamos. E não importa que nem todo mundo conseguiria o ingresso. Continuaria sendo a minoria. Ainda que bem maior. Mas as cidades, cuja raiz desses times está plantada, viveriam a decisão. O ônibus que passa cercado pela rua de fogo. As ruas pintadas. As fan fests decoradas. O comércio fazendo seu dinheiro. Tudo isso em Quito.
Tudo isso em Fortaleza. Porque não uma abertura lá, com uma tradicional banda andina. Uma aqui, com um bom forró pé-de-serra.
Em suma, não sei o que pensa a CONMEBOL. Mas a verdade é que se trata apenas de um retrato de cada associado. De uma Argentina que precisa mandar seu grande clássico para a Espanha, por não conseguir organizar a segurança. De um Brasil que deseja vender a final para os Estados Unidos. E se a confederação é retrato das federações. A FIFA é retrato de cada representante continental. As migalhas de uma rodada de abertura para a América do Sul basta. Não é bom um futuro candidato a presidente da entidade máxima, desagradar. Poderíamos ter uma Copa nossa, depois dos Ibéricos. Mas essa já é da Arábia Saudita. Já que o mundo da bola maquiou o Qatar, vai ter que fazer isso com o rival histórico. Não é só uma questão financeira. Dá para fazer dinheiro, montando festa para o povo. O ponto é quanto e de onde vem. Falando em encontros e despedidas, é fundamental que saibamos agora, que nem tudo que é bom vem de fora. O partideiro Jorge Aragão já previa. E que, assim, como a cadência de um samba, percebamos que as “coisas” nossas são boas. Nem melhores, nem piores. Apenas diferentes. O latino é acolhedor, agregador, multiplicador. Para que uma festa, se eu posso ter duas? Nem o mais careta escolheria a primeira opção. Se bem que escolheram, o tal do Jogo único.
Muito bom, parabéns !