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DERROTAS IGUAIS, POSTURAS DIFERENTES!

No dia 29 de Agosto de 2004, um paranaense chamado de Vanderlei Cordeio de Lima entrou para a História (olímpica e da humanidade).

Determinado a vencer a Maratona na maior competição global, depois de ter testado as pernas e os adversários aos 10km com uma fuga temporária, Vanderlei decidiu atacar definitivamente à metade de prova e ninguém foi com ele. O crono marcava nesse momento 1h03m30s o que significava que teria de enfrentar sozinho mais 1h05m (pelo menos porque a segunda metade é normal e naturalmente corrida mais lenta do que a primeira) se quisesse vencer. Dos 25 aos 30km fez a sua parte mais rápida da prova e chegou a ter 47 segundos de avanço sobre os mais diretos adversários, ou seja, estes estavam atrasados cerca de 250 metros, que em corrida e àquele nível são difíceis de recuperar.

Mas a Maratona é muito louca, bastante imprevisível e toda a gente sabe que há coisas que só acontecem numa Maratona.

No início do Brasileirão, o Botafogo apenas sonhava com mais uma qualificação para a “Sula” e dificilmente podia sonhar com algo mais já que tinha falhado a qualificação para a fase final do Carioca… Mas arrancou de forma inesperada: 5 vitórias seguidas! E assumiu a liderança logo à 3ª rodada. Depois da sua 2ª derrota para o campeonato contra o Athletico, o Botafogo entrou numa fase maravilhosa. 12 rodadas sem perder! 9 vitórias e 3 empates pelo meio e de junho a agosto, foram apenas consentidos 4 golos para o campeonato!!

A Estrela Solitária tornou-se cada vez mais solitária na liderança com a maior vantagem de sempre a meio do campeonato após protagonizar a melhor primeira volta de sempre do Brasileirão! Teria que ser minimamente competente no segundo turno para ser campeão.

Mas o Brasileirão é muito louco, bastante imprevisível e toda a gente sabe que “há coisas que só acontecem com o Botafogo”.

Entretanto à passagem pelo 35º km o nosso querido “baixinho” Vanderlei mostrava-se cansado e os atletas perseguidores tinham reduzido a diferença para cerca de 30 segundos. Nesse exato quilómetro onde muita gente diz encontrar abstrata e metaforicamente um muro – o Muro da Maratona-, Vanderlei encontrou um muro real e físico em forma de um fanático religioso que o travou e o empurrou para a berma da estrada. Vanderlei foi atacado, perdeu tempo de avanço mas pior que tudo isso, perdeu ritmo nas pernas e concentração. Quando voltou à corrida, Vanderlei mostrou-se inconsolável, gesticulando como se perguntando “Porquê a mim?”.

Entretanto o brilho do Botafogo trouxe um alto preço já que o seu treinador Luís Castro, muito contestado na primeira época, foi seduzido pelos milhões da Arábia e pela possibilidade de treinar Cristiano Ronaldo. Mesmo assim, depois da saída de Castro o time continuou na liderança. Depois de 47 pontos no primeiro turno, bastava fazer um pouco mais de 50% desses pontos no segundo turno para se tornar campeão.

Outro português chegou para o comando técnico e as exibições na era Bruno Lage começaram a enfraquecer, só que os adversários com olhos nas competições sul-americanas iam-se atrapalhando… Para piorar, o artilheiro Tiquinho Soares lesionou-se e quando voltou, não era o mesmo. Ele e todos os outros pareciam sombras do que tinham rendido no primeiro turno. Os botafoguenses começavam a desesperar “Porquê a nós?”

Depois da confusão, Vanderlei ainda tinha alguma vantagem mas as imagens mostravam um pouco o desespero do “baixinho”. Começou a olhar muitas vezes para trás e quando isso acontece, é muito mau sinal. Certamente o episódio, os questionamentos, o sentimento de revolta e injustiça começaram a prejudicar-lhe quando apenas devia estar a pensar na corrida, na oxigenação dos seus músculos e na estrada à sua frente. Ainda liderava mas não dependia só de si para vencer. No Atletismo, quem vem de trás e vê um atleta à frente a apresentar fadiga e sofrimento, ganha ânimo. Aquele ânimo de recuperar centímetros a cada passada é inigualável e o italiano Baldini acabou mesmo por passar Vanderlei antes dos 40km, assim como o norte-americano Keflezighi. Nesse momento, quase todos os atletas quebram emocionalmente e a queda é brusca…

Depois da queda do Lage, à 25ª rodada, havia tempo para uma solução forte e aguentar os 7 pontos de avanço. Surpreendentemente, a pedido dos jogadores, Lúcio Flávio passa a técnico principal. As coisas até começaram animadoras com duas vitóras e muita gente ficou feliz por confirmar que a sua opinião estava certa: que Bruno Lage só atrapalhava. Só que não! Da rodada 28 para a frente, o Botafogo nunca mais venceu… Sofreu pesadíssimas derrotas, duas delas com rivais direto pelo título em reviravoltas que nunca terão acontecido antes nem acontecerão depois na história do futebol brasileiro.

O Palmeiras animou-se e à 34ª rodada passou finalmente o Fogão e nesse momento, após tanto tempo na liderança e já com “cheiro de campeão”, quase todos os times quebram emocionalmente e a queda é brusca…

Vanderlei, desgastadíssimo, deixou de reclamar e passou a agradecer a Deus a possibilidade ainda de vencer uma medalha. Não a de ouro, já não havia nada a fazer! Teria que aguentar mais um pouco para vencer a medalha de bronze… Arrastou aquele corpo franzinho pelos dois últimos kms e quando chegou aos últimos metros, num momento em que qualquer outro mostraria raiva e revolta, Vanderlei celebrou efusivamente a conquista da medalha de bronze. Uma lição de humildade e gratidão pelo que se tem, sem pensar no que se poderia ter. Esse gesto valeu-lhe grande reconhecimento internacional e a comoção de todo o mundo, tornando-se o único latino-americano a ter sido condecorado com a medalha Pierre de Coubertin, a mais alta honraria concedida a atletas ou pessoas envolvidas em esporte pelo seu espírito esportivo e olímpico durante os Jogos Olímpicos.

O Botafogo, derreado física e emocionalmente, nunca mais se encontrou. Mudaram para o 5º técnico da época mas não funcionou. Depois das duplas derrotas 4-3 em jogos praticamente ganhos, acho que que nada funcionaria para um time que vai viver para sempre do “E SE o Tiquinho tivesse feito aquele pênalti contra o Palmeiras?!” Mas o SE não existe mesmo! E este time que fez sonhar botafoguenses e chegou a ser aplaudido por rivais, vai terminar o campeão fora do pódio, fora inclusivamente do G4… Um time em que já há muito tempo ninguém assume as responsabilidades. Jogadores decidiram culpar a arbitragem mas foram eles que baixaram de rendimento! Direção decidiu culpar a arbitragem mas foi ela que fez rodízio de técnicos e ainda por cima… E isso é só um dos argumentos que destrói mais uma campanha do Botafogo que não vai receber nenhuma menção honrosa nem nenhum prémio de consolação especial… Vai ficar para a história como o episódio esportivo mais negro e vergonhoso do Glorioso!

Houve pontos de ligação entre a história de Vanderlei Cordeiro de Lima e o Botafogo? Sim! As vantagens, as sensações de que o título já não ia fugir… Mas de repente, a ponte entre as histórias desabou. Tudo mudou no momento em que os avanços começaram a desaparecer e especialmente quando foram ultrapassados definitivamente.

Um foi de fato “roubado”. Vanderlei foi parado, bloqueado num momento fulcral da Maratona. Quem corre longa distância, sabe bem dos efeitos de uma interrupção abrupta no meio do cansaço e só lhe fizeram isso a ele. Mais ninguém sofreu o mesmo… E mesmo assim, deixou as lamentações e agradeceu a Deus pela medalha de bronze.

Mas vocês dizem-me: Mas o outro também foi “roubado”!! Ok… Em alguns jogos foi “roubado” mas o Botafogo também foi beneficiado em outros. Esse “roubo”, esses erros prejudiciais, também aconteceram aos rivais. Como já ouvi Alê Oliveira dizer muitas vezes: “O campeonato dá e tira”. E mesmo assim, ainda contrataram um estudo para comprovar os erros contra o Botafogo… É um pouco ridículo e vergonhoso!

Há aí uma frase cliché que assenta bem nesta diferença de posturas: “Um herói não pode triunfar sempre. Às vezes ele será derrotado e a forma como ele encara a derrota é um teste de seu caráter”.

Espero sinceramente que os jogadores do Botafogo consigam recuperar desta época louca e que usem os aprendizados para se tornarem melhores profissionais e melhores homens. Rafa Boban | @rafaboban

 

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